Como escolher um livro para uma criança?


Essa pergunta é muito frequente. É comum recebermos telefonemas, e-mails, mensagens etc. pedindo ajuda para escolher um livro para o filho, irmão, primo, sobrinho, amigo, aluno... Dar sugestões literárias é algo que gostamos muito de fazer. No entanto, acreditamos que a escolha de um livro precisa ser feita por aqueles que conhecem a criança. Para presentear uma pessoa - e acertar na escolha - você  precisa conhecê-la. 
Além disso, você precisa conhecer o presente. Você já deu algum presente "no escuro", sem saber nada sobre ele? Se vai presentear alguém que gosta de vinhos, pesquisa sobre vinhos, não é verdade? Não sai escolhendo qualquer um só porque a garrafa e o rótulos são bonitinhos.
Dessa forma, para escolher um livro para uma criança, você precisa, primeiro, conhecê-la e, segundo, conhecer o livro, ter boas referências dele. Mas não se desespere se errar, ler é também equivocar-se. Nós do blog O que ler para meu filho? estamos aqui para ajudá-lo(a) a navegar pelo mundo das leituras.



Dicas para escolher um livro para uma criança*1:


1. Conheça a criança


Quem é e do que gosta. O que ela nos diz todos os dias – e o mais importante: o que ela não nos diz. O que a faz perder o sono e o que a faz sonhar. De que brinca e com que brinca, com que se diverte, o que a faz chorar. O que sente com os livros que vê em casa, na biblioteca, na livraria, ou na sala de aula. Quais ela prefere. Nenhum especialista sabe o que você sabe sobre essa criança concreta. Confie na sua sabedoria instintiva

2. Como você faz suas escolhas?

Como escolhe uma revista? Como você lê o descritivo das vitaminas numa caixa de cereal? Usando seus critérios. Você não compra a caixa de cereais apenas porque é mais colorida ou se tiver um personagem de Walt Disney. Tampouco compra um disco sem olhar a capa e as músicas que ele contém e, muitas vezes, inclusive, ainda pede para ouvir.
Isso que é feito na loja de discos, no supermercado ou na livraria antes de comprar um livro para você, deve ser feito quando se trata dos livros para as crianças também. Não compre o primeiro que lhe oferecem. Antes de olhar se tem capa dura ou adesivos, pergunte ao livro:



a) Quem assina?
Você não compra um livro anônimo. O mercado está cheio de livros infantis assinados por multinacionais. Como em qualquer literatura, um verdadeiro escritor de livros para crianças garante o que escreve com a sua assinatura.


b) Quem é o ilustrador? 
Nos álbuns ou livros de imagens, a ilustração é uma linguagem tão válida quanto o texto. Aprenda a diferenciar "desenhos" de uma ilustração com caráter e estilo próprios. (Aqui também, a assinatura de um ilustrador é uma garantia de que alguém está por trás desse trabalho.) Você está educando o olhar de uma criança. Cuidado com os estereótipos: o sol com rosto feliz ou a típica casinha triangular. Olhe mais longe: peça a ilustração que não se limite a repetir o que dizem as palavras, que as amplie, que brinque com elas; que proponha novas leituras; que deixe um espaço para a imaginação 

c) É versão original ou adaptação? 

No caso dos contos de fadas, das histórias de tradição oral ou dos clássicos, o livro deve dizer se é uma adaptação ou uma versão original. É diferente ler o Chapeuzinho vermelho de Perrault ou dos irmãos Grimm a ler uma adaptação, onde pode ter se perdido a força da linguagem e a carga simbólica das imagens. Cuidado, também com os romances simplificados. Alice no país das maravilhas, de Carroll, Pinóquio, de Collodi, Peter Pan e Wendy, de Barrie são novelas complexas e muito lindas e devem ser lidas no seu devido tempo. Há, no entanto, adaptações muito boas de obras clássicas e, como afirma Ana Maria Machado em Por que ler os clássicos desde cedo, boas adaptações são uma maneira de aproximar as crianças dos clássicos. Para descobrir se a adaptação é boa, você deve seguir o mesmo percurso. Quem a assina? Há muitas adaptações feitas por multinacionais, descuidadas, mentirosas, que diminuem a obra, a censuram etc. Todo cuidado é pouco ao escolher um livro adaptado. Verifique também se há selos de qualidade, como o “altamente recomendável” da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ).  


d) Qual é a idade sugerida? 

A maioria dos editores oferece sugestões de idade. Leve em conta essas recomendações, porém enriqueça-as com os seus critérios. Existem livros para todas as idades; há outros sem idade. Além disso, nem todos os processos leitores são os mesmos. A idade cronológica de um leitor é apenas uma das variáveis. Confronte a sugestão da editora com o que sabe sobre a criança que vai receber o livro.

e) Que editora publica esse livro?
Além do nome, verifique a cidade, o ano da publicação, o nome do tradutor etc. Desconfie se essas informações não estiverem explícitas. Vire as páginas; leia a capa e a contra capa. Você vai encontrar dados sobre o livro e seu autor que lhe darão as primeiras pistas.




3. Envolva as crianças na pesquisa

Leve as crianças a bibliotecas públicas, espaços de leitura, sebos e livrarias. Leia com elas e acompanhe-as em seu processo de crescimento como leitores. Acredite na palavra da criançamas ao mesmo tempo, ofereça ferramentas para que possa ir educando seus critérios. Na medida em que uma criança tem contato com literatura de qualidade, ela irá refinando a sua sensibilidade e tornando-se cada vez mais exigente. Nem sempre o que é fácil, o que está na moda ou o que está no topo da lista dos "mais vendidos" é o melhor. Não se deixe, tampouco, tentar pelas coleções completas que não garantem, por si só, a qualidade de cada título. Dê liberdade de escolha, mas ofereça, também, a riqueza de sua experiência como leitor adulto. E não queira acertar sempre. Ler é também equivocar-se.



4. Busque assessoria


O campo da literatura infantil é enorme. Muitos autores, ilustradores, gêneros e tendências que não conhecemos quando éramos crianças têm enriquecido enormemente as opções de leitura. Não fique limitado ao que você leu na infância. Aproveite as crianças para descobrir novas obras e não pretenda conhecer tudo. Busque um livreiro ou um bibliotecário que conheça literatura infantil. Consulte as listas de livros recomendados, as publicações sobre o assunto e as instituições que promovem a leitura. Consulte as nossas sugestões aqui do blog O que ler para meu filho? Você vai se surpreender com as descobertas e encontrará livros, não só para ler com seus filhos, mas também para você.


5. Não confunda uma obra literária com um livro didático

Assim como você procura muito mais que ensinamentos explícitos quando lê um romance de García Márquez, seu filho busca na literatura muito mais que um ensinamento moral. A literatura se move na esfera do simbólico e apela à experiência profunda dos seres humanos. Desconfie das mensagens explícitas e das morais óbvias. 
O mercado está cheio de livros infantis que "disfarçam" – sob o título de "conto" – as intenções didáticas dos adultos. Aprenda a diferenciar os manuais de autoajuda das obras literárias. A literatura não pretende explicar valores, letras do alfabeto, regras de polidez ou mensagens ambientais. Leia nas entrelinhas e não escolha um livro só pelo seu tema, mas pela sua forma e pela maneira como um autor constrói uma voz e um mundo própriosDesconfie dessa linguagem pseudoinfantil, cheia de diminutivos e de histórias light, em que os protagonistas são tão perfeitos como ursos de pelúcia. (Seu filho vai ser o primeiro a "não engolir a história".) Os livros infantis podem ser atrevidos, transgressores, irreverentes, sutis, inteligentes, tristes... Todas essas nuances, que constituem a infinita variedade da experiência de um ser humano, alimentarão o mundo interior das crianças e lhes darão as chaves secretas para compreender sobre sua própria vida e sobre as emoções, sonhos e pesadelos sobre fantasia e realidade.

Quando você for ler literatura para uma criança, deixe-se tocar pela linguagem cifrada e misteriosa dos livros. Todo o resto virá depois.

Boa leitura!






*1  As dicas foram escritas pela educadora e pesquisadora colombiana Yolanda Reyes no texto Como escolher boa literatura para criança? para a Revista Emília. Nós, entretanto, alteramos o texto, fizemos, inclusive, uma alteração substancial, que diz respeito a leitura de livros adaptados. Confira o texto original no link: http://www.revistaemilia.com.br/mostra.php?id=9 


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